Qualquer semelhança entre a ficção e a realidade...

No outro dia escrevia sobre o privilégio que é viver num bairro tão pet-friendly como o nosso.

Hoje vou contar-vos uma história que me deixou triste e que envolve uma das cadelas que cá vivia, a Kika. Não é nenhuma tragédia, não se trata de mais um apelo, mas não deixa de ser algo demasiado comum para o meu gosto: ter um animal e depois dá-lo, por uma razão ou outra.

A Kika é uma cadela branca magrinha e os seus donos têm também uma outra cadela muito parecida, mas em preto, que se chama Serena. Foram várias as vezes em que me cruzei com elas na rua, quando eu ia passear a Emma ou o Sushi, e ficávamos com as trelas todas entrelaçadas umas nas outras... A Kika é mais espevitada, tipo a Emma, e a Serena, tal com o nome indica, é mais sossegada e até um pouco medrosa. Eu sempre gostei muito de conversar com o dono delas, pois partilhávamos histórias sobre as porcalhices das nossas cadelas. É que a Kika tinha mais uma coisa em comum com a Emma, para além de serem eléctricas: ela também fazia muitas vezes xi-xi e cocó em casa.

É preciso ser dono de um animal porcalhão para se perceber verdadeiramente a dimensão deste problema. A maior parte das vezes, quando conto a alguém que a Emma faz assim e assado, as pessoas simplesmente culpam-me por não a ter sabido educar. Não é assim tão simples. E os donos da Kika e da Serena compreendiam-me melhor do ninguém.

Recentemente voltei a cruzar-me com o dono delas, mas só a Serena estava com ele. A pergunta óbvia foi: então e a Kika? Ele respondeu-me que a tinham dado (ao avô dele por isso ainda a viam aos fins-de-semana), porque pura e simplesmente não aguentaram mais. Estavam fartos de andar de esfregona na mão a limpar o que ela sujava. De acordar e encontrar a cozinha suja. De chegar do trabalho e encontrar a cozinha suja. E, enquanto ele desabafava, eu pensava que tudo aquilo me soava tão familiar e que a última coisa que queria era fazer juízos de valor (como decerto toda a gente já tinha feito). Até eu, que normalmente sou tão moralista, compreendo que há situações em que ninguém tem o direito de se meter ou de opinar. Eles lá sabem os motivos que os levaram a tomar esta decisão e o quanto lhes custou ou não. Ao menos deram-na a alguém de família. Há quem simplesmente abandone os animais, como sabemos...

Mas eu e o Dono, que estamos na mesma situação (ou pior, porque a Emma é maior do que a Kika e o que ela suja é proporcional), optamos por não seguir a solução fácil. E acho que não há maior juízo de valor do que esse - não dizer nada, mas fazer exactamente o oposto.

Obviamente, preferia que a minha cadela fosse exemplar. Não há como negar!!! A nossa vida seria muito mais fácil, já para não falar que pouparíamos rios de dinheiro em detergente... Adorava poder gabar-me, como já ouvi tanta gente fazer, de que aos 4 ou 5 meses ela já aguentava não sei quantas horas e só fazia as necessidades na rua. Mas suponho que é um pouco como ter um filho que não é o melhor aluno da turma. Eu gosto da Emma como ela é, com os seus defeitos e tudo.